A terceirização de seus investimentos.

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Desde menino, aprendi com a minha família a virtude de poupar, fazer poucas dívidas e investir o dinheiro em vez de deixa-lo parado no banco, onde, de um jeito ou de outro, ele acaba sendo emprestado a terceiros. No entanto, tinha delegado essa função a especialistas. Algumas vezes, cheguei a tentar investir por conta própria, mas outras prioridades, que eu acreditava serem mais relevantes, fizeram com que perdesse o foco de meus objetivos financeiros. Pensava que outros deveriam cuidar das minhas finanças, como se isso fosse um estorvo para mim. Porém, vendo meus especialistas e outros milhares arderem na fogueira das vaidades, lembrei que, em minha longa história de cliente, nunca tinha visto um assessor financeiro obter bons resultados acumulativos por um longo período. Guardadas as proporções, essa parecia ser a experiência de muitas outras pessoas, às quais questionei sobre como estavam depois dos últimos acontecimentos (crise de 2008), assim como a vítima de um terremoto pergunta ao vizinho se sua casa também foi atingida.

Nesse momento, refleti como o meu comportamento (e o de milhões de outras pessoas) era estranho. Afinal, delegamos a terceiros uma das coisas mais importantes do mundo: o gerenciamento de nosso dinheiro. Ninguém pensa em delegar o sexo (até um voyeur, que aparentemente delega, interfere nos arranjos ao escolher criteriosamente quem observar). A imobiliária não escolhe a casa de seus clientes. Ninguém encomenda a terceiros amizade ou inimizade.

Você consegue se imaginar procurando nos classificados um “profissional dos sentimentos”, para que ele cuide de seus relacionamentos? Você o incumbiria da seguinte tarefa: quero fazer amizade com a vizinha, mas não tenho tempo, nem sei como me comportar. Então você fica amigo dela e vai me contando, trimestralmente, como as coisas andam? Depois, quando vocês tiverem bons momentos, celebrarei com uma cerveja; caso contrário, muito deprimido, me enfiarei na cama. Pois é, não dá. Assim como também é impensável alguém pedir ao padre de sua comunidade que o substitua como temente a Deus e vá entregando-lhe relatórios trimestrais de suas contas com o céu, com a justificativa de que rezar e se comportar de acordo com os preceitos cristãos é coisa para especialistas.

Lamentei não ter dado continuação, há uma década e meia, ao empenho de gerenciar minhas finanças pessoais. Mas não fiquei lamentando. Imediatamente, voltei a ler revistas e livros que já tinha consultado e submeti pessoas mais entendidas que eu a interrogatórios quase policiais.

De modo geral, durante um tempo, o que li e escutei não pareceu muito confiável. Grande parte do conteúdo tinha a ver com uma pseudociência chamada “analise técnica”, que consiste em observar gráficos com a variação do preço das ações e, com base nessa movimentação do passado, prever o futuro. Tudo conforme as figurinhas que vão sendo traçadas de acordo com o comportamento do preço das ações.

Também havia quem dissesse coisas mais ou menos obvias e insuficientes como: “é melhor comprar ações de empresas conhecidas e com tradição”. Outros beiravam a charlatanice. Dava mais medo de quem propunha os bônus como refugio do que daqueles que brincavam de adivinhar o futuro, interpretando as figurinhas no gráfico do passado: comprar bônus desse tipo é emprestar dinheiro a uma empresa ou ao governo. E se o momento em que vivíamos significava alguma coisa era justamente que em todo o planeta estava acontecendo a festa do calote.

Sem falar dos precatórios, que são os bônus em época de inflação: tudo indicava que os governos resgatariam os bancos irresponsáveis e as grandes empresas afetadas imprimindo dinheiro, desvalorizando, por assim dizer, a moeda, e portanto, o que restava de nossos capitais. Com uma moeda desvalorizada, comprar precatórios era como tentar apagar um incêndio com folhas secas e madeira.

Em meio a essas reflexões, comecei a perceber, em certas publicações, referencias laterais a algo que denominavam “analise fundamentalista”. Parecia muito entediante. Porém, por alguma razão inexplicável, a referência à palavra “fundamental” me chamou atenção. Sugeria a firmeza e a durabilidade de algo enraizado em um momento em que tudo voava pelos ares.

Em algum lugar, li que havia uma escolha de investidores, iniciada no começo do século 20 por um norte americano de lábio grossos, inclinações literárias e ares de pedagogo – Benjamin Graham – , que não se propôs a funda nada, mas ensinou, resgatando as praticas mais antigas, que se deve investir fazendo o contrario do que os outros fazem.

Todos os que tinham bebido em sua fonte conseguiram, no decorrer do século 20, resultados parecidos aos seus ou melhores. Entre eles, havia nomes míticos, como o de Warren Buffett, investidor de maior sucesso da história, que continua condenado a figurar, todos os anos, entre os primeiros colocados nas listas dos mais ricos do mundo. Todos tinham investido, ou investiam, dinheiro a partir da analise fundamentalista e todos se denominavam, apesar das diferenças, value investors, algo como investidores da Escola de valor.

Quando segurei nas mãos os Security Analysis, um “livrinho” de Ben Graham (a obra tem mais de 700 páginas) publicado em 1934, com um título desanimador e que pesa como um cadáver, não tive duvidas de que seria convertido. A leitura foi longa, difícil e não entendi algumas partes logo na primeira vez. Mas desde as primeiras paginas senti o clima de aproximação de uma revelação. Sua lógica redonda, seus inevitáveis exemplos, a prosa elegante e a exposição cristalina destruíram meus instintos e minhas crenças a respeito do mundo das finanças e da bolsa. Saí de suas páginas, como quem sai de águas termais acreditando que suas propriedades são de fato curativas. Era imperdoável não ter feito essa descoberta a 20 anos antes e não ter, até agora, gerenciado minhas finanças de acordo com sua filosofia e seus métodos; além de ter perdido mais tempo do que o recomendável confiando tanto em especialistas. Adquiri uma vocação tardiamente. Pensei que essas coisas só acontecessem com os outros.

O outro clássico de Graham, O investidor inteligente, deslumbrou-me ainda mais. O livro foi escrito visando a um publico mais leigo e é por onde eu deveria ter começado. O que veio depois – a leitura de seus discípulos e dos discípulos de seus discípulos e o estudo de quem pratica o value investing, termo que, como todas as etiquetas, não está livre de equívocos e também embarca gente que não segue exatamente essa linha – confirmou-me certas coisas:

  • Investir com verdadeiro sucesso está ao alcance de qualquer pessoa com um pouco de disciplina e temperamento certo já que, como disse Graham, isso é mais um traço de “personalidade do que cérebro”;
  • Se a maior parte do capital dançasse conforme a musica dos ensinamentos desses princípios do valor, o mundo das finanças seria menos traiçoeiro e alienado da vida real;
  • Todas as escolas deveriam oferecer às crianças um curso sobre essas questões ( e todos os avós deveriam presentear seus netos com ao menos uma ação de alguma empresa de futuro, para que eles já aprendessem o ofício ao vê-la crescer junto com ela).

Com isso não estou sugerindo que todos devamos nos dedicar ao gerenciamento de nossos investimentos. O mundo não funcionaria assim. Não é preciso argumentar muito sobre isso, afinal alguém tem que fabricar os produtos e oferecer serviços das empresas cujas ações compramos ou vendemos. E alguém tem que cultivar nossos alimentos, compor a música que ouvimos ou fazer os gols que nos levam aos estádios. O que quero dizer é que muitos poderiam dedicar mais tempo às suas finanças; outros poderiam delegar essa função e ter uma atitude mais participativa e coerente, sabendo a quem foi delegada e porque; ou averiguar se o fundo e o assessor encarregados de cuidar de seu dinheiro estão investindo suas economias como Deus manda.

 

– Trecho do livro “TODO AMADOR CONFUNDE PREÇO COM VALOR – ÁLVARO VARGAS LLOSA”

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